Urgente e lacônico, o texto no celular avisa que "as cigarras estão dando sopa" com a chegada do verão ao Parque Nacional do Iguaçu. Outro rascunho informa que uma onça-pintada foi vista dias atrás por funcionários da manutenção no quilômetro 26 da estrada que leva os turistas às cataratas. Um recado mais longo conta que "os ninhos de pássaros ao lado da casa 003 foram todos estraçalhados" por "gambá, tucano" ou outro predador "invisível".
A 003 é a residência oficial do biólogo Jorge Pegoraro, chefe do parque e autor das mensagens. Ele fazia a ronda diária dos ocos e galhos no jardim, desde que a primavera povoou suas árvores de ovos e promessas. Está há quase oito anos no posto. E cada vez mais atraído pelas novidades que cercam seu cotidiano por todos os lados. Meses atrás, comprou uma máquina fotográfica. Passou a registrar seu dia a dia com a sofreguidão de quem pôs as mãos em brinquedo novo e o conhecimento de causa de quem vê aquilo tudo sistematicamente, por dever profissional.
O dia a dia pode ser inexaurível, quando se tem sob sua jurisdição uma floresta de 185 mil hectares. Em poucas semanas de fotografia, Pegoraro tinha juntado uma fartura de imagens. No fim do ano passado, por exemplo, fez "um bonito (eu acho) jacaré (pequeno) no Rio Iguaçu, numa volta de barco próxima à Ilha dos Papagaios".
Com as tardes alongadas pelo horário de verão, a cada fim de expediente, se a chuva deixar, ele pega o equipamento, atravessa em longos círculos o jardim e cai nas trilhas que fazem de sua casa um entroncamento de pegadas. Cruzam por ali rastros de catetos, de cutias, de cachorros-vinagre, de veados-mateiros e de onças. Só com os pássaros que frequentam sua clareira daria para fazer um guia quase completo das aves do Iguaçu.
Só volta depois que a noite cai. Usa uma Rebel T1, a reflex digital mais modesta da Canon. Contenta-se com lentes básicas. Passou batido pelo labirinto técnico dos manuais. Mas tem olho clínico, capaz de identificar na penumbra animais que parecem sombras e ver silhuetas onde aparentemente só há manchas escuras.
Com esses trunfos e a prerrogativa de morar no parque nacional, virou fotógrafo de natureza do dia para a noite. Foi a última virada de uma carreira que sempre entorta e aponta para o mato. Ele nasceu em Curitiba, formou-se por lá em Biologia quando o diploma servia quase exclusivamente para dar aulas e entrou para o serviço público, por concurso, via Sudepe. A superintendência da pesca lhe deu o primeiro emprego no porto de Paranaguá, o extremo oposto do Iguaçu.
Chegou ao oeste do Paraná em 1989, depois que a criação do Ibama fundiu as autarquias que tratavam de recursos naturais no governo.
Pegoraro foi realocado no escritório do Ibama em Cascavel, quando as serrarias já haviam raspado os últimos retalhos de mato no município. Mas o escritório continuava expedindo licenças de desmatamento para as cidades retardatárias cuidarem das sobras.
Ele não levou muito tempo para se convencer de que aquela região gravitava, sem saber, em torno do parque nacional, cuja floresta é o maior investimento que os colonos conseguiram fazer na economia da região. Acabou nomeado para dirigi-lo em 1.º de abril de 2003. Considera-se até hoje incapaz de "conhecê-lo a fundo". Mas não se cansa de aprender. Seguir a rotina desse funcionário público entre o gabinete e a trilha revoga tudo o que se ouve falar por aí sobre preguiça burocrática.
Marcos Sá Corrêa
(Fonte: http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20110107/not_imp663089,0.php)
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