Paraná preserva cerrado do tamanho de um campo de futebol
Área guarda plantas medicinais, frutas e espécies ameaçadas de extinção.
Na terra dos pinheiros, árvores tortas e cascudas, vegetação rasteira, frutas curiosas. Um pedaço de cerrado no Sul do Brasil em solo paranaense. Na verdade, um pedacinho. O cerrado do Paraná cabe em um campo de futebol. É um quarteirão de mata retorcida perto do centro de Campo Mourão. A cidade, de 85 mil habitantes, no noroeste do estado, nasceu e cresceu sobre o cerrado que um dia dominou a região e boa parte do país. Veja como surgiu a menor reserva de cerrado do Brasil.
"O cerrado que existiu no Brasil no passado era muito vasto. Á medida que o clima foi mudando para mais úmido, as florestas foram avançando. A vegetação de cerrado ficou restrita a manchas em pontos onde o solo lhe dava condição de manutenção", conta o doutor em ciências ambientais Mauro Parolin.
No espaço todo cercado, uma amostra da paisagem que não existe mais. A estação é um museu vivo do cerrado paranaense. Por enquanto, sem visitação. Só pesquisadores podem entrar para estudar a mata. Um acervo pequeno, mas valioso.
Em apenas uma quarteirão, quanta diversidade! Pesquisadores já identificaram 240 espécies de plantas. Algumas delas são bem raras, como um tipo de capim que, no Paraná, só existe na estação.
"Em Campo Mourão, uma gramínea do cerrado só conseguiu ficar preservada dentro da estação. Nas áreas de entorno, o avanço da cidade fez com que ela desaparecesse", explica o professor Mauro Parolin.
Na mata ilhada pelo progresso também foram encontradas plantas usadas em remédios caseiros. Caso da copaíba e do barbatimão, que produz um poderoso cicatrizante. Os efeitos foram testados por pesquisadores da estação ecológica. Em parceria com laboratórios privados, eles fabricam tinturas e pomadas com a casca da planta.
"Geralmente, tratamos feridas que necessitam de cicatrização. Para o lado interno, ele é muito bom para afecções de garganta, gengivite, úlcera e gastrite", revela o responsável pela estação ecológica, Luiz Cezar Alves.
O barbatimão é uma das espécies coletadas e catalogadas no herbário da Universidade Tecnológica Federal de Campo Mourão (UTFPR). O acervo tem mais de duas dezenas de espécies do cerrado. Plantas que não foram mais observadas fora do local, como a palmeira-anã e o algodão-do-campo.
O esforço para preservação também conta com incentivo oficial. Em Campo Mourão, moradores que mantêm espécies de cerrado no quintal e que se cadastraram na prefeitura até 2003 têm direito a desconto no IPTU.
Para cada árvore de pé, 5% menos de imposto. Mas só valem espécies tombadas, como angico, pequi e barbatimão. O desconto máximo é de 30% no valor do tributo. Com quatro angicos no quintal, o montador industrial José Carlos Oliveira está economizando cerca de R$ 50 no IPTU. Mas esse nem é o maior benefício da preservação. "Não precisamos de passarinhos na gaiola para ouvir o canto deles. É só preservar a árvore que vamos ter passarinhos sempre por perto", diz.
Nos quintais, trilhas e laboratórios, a luta por um fragmento de cerrado, vestígios de um tesouro que pode desaparecer antes mesmo de ser conhecido por inteiro.
"Cerca de 85% das espécies do cerrado são de uso medicinal. A preservação é necessária para que a pesquisa seja utilizada em prol da sociedade", observa o geógrafo Renato Lada Guerreiro.
"A preservação vale a pena. Quando você vê uma árvore do cerrado de dois palmos frutificando, vale a pena. Quando você altera a camada superficial e tomba a terra, é um caminho sem volta, os espécimes vão ser preservados em vaso", ressalta o professor Mauro Parolin.
Conservar o que sobrou do cerrado paranaense é um desafio para a ciência e para os moradores. Um quadrado de mata – pequena, mas cheia de vida.
(Fonte: Wilson Kirsche - Globo Repórter - 13/11/09)
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